sexta-feira, 8 de julho de 2011

Movimento primeiro origem de um personagem
Deivid Ferreira Santana

Este presente artigo é resultado da prática da disciplina Expressão Corporal I do Curso de Teatro, da Universidade Federal de Uberlândia. E pretende tratar do assunto da criação de personagem a partir de um movimento primeiro, ou seja, quando de um simples movimento e/ou ação se cria um personagem.

Na minha prática durante a disciplina, tivemos a criação de um personagem, um rei, cada aluno teve subsídios para criar o seu; a criação deste se deu em várias aulas, que a cada vez trabalhávamos algo diferente, sempre partindo das intenções e de como agiria esse rei, partindo da maneira de pensar dele e não do seu modo, pois assim, cristalizaríamos um tipo, o que não era a proposta. Nesse ponto, cria-se um distanciamento, do ator com suas atitudes/ações, deixando de ser ele o agente da situação, tornando-se espectador do seu próprio fazer.

Ele nasceu por meio de improvisações durante a minha prática. Essas se deram, por meio de conduções, que foram feitas após alguns exercícios direcionados, que também contribuíram muito para o desabrochar desse rei, como o da sensibilização da pele feita com bexigas de ar, onde usamos a pressão, o flutuar e o deslisar, todos, conceitos pesquisados por Rudolf Laban, que estão registrados no livro “Domínio do Movimento”. Também usamos uma outra qualidade de movimento,que é a suspensão do peso. Logo após a realização desse, usamos esses princípios com esse rei que criamos, em uma improvisação, que aplicávamos tudo para dar uma nova “cara” ao personagem ou até mesmo, para descobrirmos novas características. Trabalhamos com e sem a bexiga, para que consigamos trazer essas informações, “estranhas”, ou seja, diferentes, para nosso corpo, assim, fazendo com que elas se tronem, totalmente, orgânicas. Essa foi uma aula muito importante para entender essa criação deste, que era lentamente modelado por mim, característica por característica, que se dava aula por aula; foi importante, também, porque nela descobri que estava cristalizando um tipo físico e não trazendo para meu corpo outra maneira de me relacionar com o mundo. No final da aula foi pedido a todos que construíssemos uma improvisação corporal, previamente estabelecida, ou seja, que tivesse movimentos estruturados em uma sequência; e ao termino de cada apresentação, para a turma, todos da mesma, dizia uma palavra que para ele, caracterizava o que acabará de ver, quase todas as que disseram, da minha composição, foram mecânico, robótico ou enrijecido, com isso, me atentei que estava fazendo o contrário do que tinha sido estabelecido. Nesse instante, passei a procurar formas de “trazer” esse rei para o meu corpo sem fazer com que se torne um tipo físico engessado.

Deixando a contextualização de lado, volto ao assunto principal, que é a construção de personagens partindo de uma movimentação. Esse meu rei, surgiu de um exercício de sala, que consistia em uma simples caminhada de olhos semiabertos, onde devíamos nos imaginar em uma estrada loga e sem fim, onde caminhávamos, corporalmente, como caminharíamos nessa, em uma situação real, trazendo textura, temperatura e a forma de pisar (exemplo: se fosse feita de tijolos, como seria caminhar neles?). Nessa caminhada, deveríamos avistar no fim uma pessoa que queríamos muito encontrar. Quando chegássemos a essa tal pessoa, tínhamos que “entrar” dentro dela, a partir daí caminhar com essa caminharia, até chegar ao palácio deste e fazer alguma ação que essa quisesse, a partir daí nos foi dito que eramos reis e que este lugar que estávamos era nosso trono. Eu imaginei uma estrada suspensa acima das nuvens e ela possuía várias curvas. A pessoa que imaginei não era real, não tinha rosto e trazia traços de um velho oriental. E o palácio trazia, também, esses mesmos traços. Foi por esse motivo, que enrijeci a coluna, me prendendo a uma forma já criada.

Com isso, posso dizer que é possível e totalmente crível, que se possa criar um personagem través de uma movimentação ou ação, mas há o perigo de conceber uma forma e se ater a ela sem que deixe, em aberto, a possibilidade de surgirem novos “corpos” para esse, ou seja, novas formas de movimentação, tornando tudo mecânico, sem organicidade.

Outro exemplo dessa forma de criação é, minha outra experiência de construção de um tipo, “Fragmentos de Um Bonde Chamado Desejo”, realizado com resultado da disciplina de Interpretação/Atuação I, onde tive que criar Stanley Kowalski, só foi possível criá-lo quando parti de um movimento de báscula do quadril, como ele trazia muito aflorado a sua sexualidade viril e ativa, tive que procurar uma maneira de ativar essa característica no meu corpo, então comecei com uma simples basculação, que para poder se locomover o quadril que o puxava. Assim, mais uma vez afirmo é fato que um movimento pode trazer qualidade e característica de uma personalidade. A partir dessa constatação, faço uma analogia com o texto de Laban, já mencionado anteriormente, nos seus dizeres, afirma:

“O homem, por via daqueles silenciosos movimentos, cheios de emoção, poderá executar movimentos estranhos que parecem sem significação, ou, pelo menos, aparentemente inexplicáveis. O curioso, contudo, é que ele se move de acordo com as mesmas ações por ele empregadas para serrear, carregar, consertar, amontoar ou fazer qualquer demais operações cotidianas; tais ações, porém, surgem em sequências específicas dotadas de ritmos e formas próprias. As palavras que exprimem sentimentos, sensações, emoções ou certos estados espirituais e mentais não são capazes de fazer mais do que arranhar de leve a superfície das respostas interiores que as formas e ritmos das ações corporais tem condições de evocar. O movimento, em sua brevidade, pode dizer muito mais do que páginas e páginas de descrições verbais.

Entretanto, os movimentos podem ser denominados e descritos e as pessoas que conseguem ler tais descrições e reproduzi-las podem chegar a perceber os estados de espírito por eles expressos. Os movimentos isolados são evidentemente apenas semelhantes às palavras ou às letras de uma língua, não dando nenhuma impressão definida, nem tampouco um fluir coerente de ideias... As sequências de movimento são como as sentenças da fala, as reais portadoras das mensagens emergentes do mundo do silêncio.

(…)

O artista de palco tem que exibir movimentos que caracterizam a conduta e o crescimento de uma personalidade humana, numa variedade de situações em mudança. Ele deve saber como é que se espelham nos gestos, na voz e na fala tanto a personalidade quanto o caráter. Ao utilizar-se desses movimentos, tem ele que comunicar para a plateia as ideias do dramaturgo ou coreógrafo. Tem que saber como entrar em contato com o espectador.” (1978, pp 141 e 143)

O que quero expressar com essa citação é que a partir de um movimento pode-se expressar atitudes, sentimentos etc., ou seja, você sente depois externaliza com o movimento, assim pode-se muito bem fazer o caminho contrário, fazer o movimento e depois criar o sentimento, com isso, criará uma personalidade, assim, formando um personagem.

Um fato curioso é que na observação dos meus movimentos, que tenham intenções, consigo identificá-los nos outros, prevendo assim, suas ações. Creio que esse, também, é um caminha para criar uma identidade, ou seja, por meio do mapeamento e observação dos movimentos provindos de si para poder criar, um ser outro, já sabendo que ação irá fazer e com que intenção irá trazê-la.

Para concluir, trago mais uma experiência que tivemos em sala de aula, que é o exercício de pressão e flutuação, que por meio do toque com pressão, a pessoa tocada tinha que ir contra o toque e fazendo força e por meio do sopro, a pessoa tocada tinha que ir, a favor do sopro, leve. Esse ajudou muitos, inclusive eu, a definir a personalidade do rei, por meio de embate ou de danças, assim meu rei se tornou o Rei da Dança ou Rei Bailarino, aquele que dançava com os inimigos, pelos simples fato de que quando eu fazia pressão ou era pressionado, me utilizava de contato improvisação, que consiste em movimentações onde utiliza-se o outro de apoio. Assim cada movimento pode construir ou somar personalidades aos personagens.

Deixo claro, que essa é apenas uma das possibilidades de criação e que existem outras formas. Essa forma foi retirada de práticas indivíduas que tive em duas disciplinas, nessas experienciei um método de construção interior de formação de personalidade sem partir da construção de um tipo fixo, assim, mostrando que é um modo válido e prático, onde se pode fazer várias descobertas de um outro e de si mesmo, para tornar orgânico,em seu corpo, alguém que não é e nem se pareça contigo.

BIBLIOGRAFIA

LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Sammus, 1978.

Nenhum comentário: